Silêncio




Deixou de falar no dia em que concluiu que não tinha nada interessante para dizer.

Quando sentiu que o que dizia não era interessante de ser escutado.

Quando concluiu que o que adquirira o mesmo conteúdo fastidioso das conversas que tantas vezes ouvira, demonstrando um interesse e uma curiosidade que não sentia, apoiadas em forçados sorrisos de circunstância.

Quantas vezes, dera por si a repetir, até à exaustão, as mesmas histórias, os mesmos exemplos, obrigando aqueles que o ouviam a colocar um ar insípido ou falsamente espantado ou interessado, se não tivessem a coragem suficiente para concluir-lhe as frases ou (directamente), recordar que já lhes tinha contado aquela história, uma e outra e outra e outra vez.

Palrava. Verbalizava horas de conversa vazia.

(Constatações meteorológicas óbvias e previsões falíveis acerca da previsão do tempo para o dia seguinte, acompanhadas por explicações pouco-nada científicas, mal fundamentando o calor de Outono e o frio de Verão. O clima sempre fora, por excelência, o grande intróito à conversa, ramificando-se depois para outros temas.)

Já não tinha nada novo para dizer.

Na verdade, talvez sempre tivesse tido muito pouco para dizer, limitando-se a dar contornos diferentes ou a enquadrar o discurso numa moldura requintada.

Reinventava narrativas e personagens, episódios que não recordava onde tinha visto, nem sequer, se os tinha vivido ou se lhos tinham contado. Por vezes, acrescentava-lhes uma ou outra laracha, se a inspiração o propiciasse, arrancando uma ou outra gargalhada a interlocutores, que lhe reconheciam uma personalidade afável e bem disposta.

De quando em quando, descobria um novo acontecimento que incorporava como uma lufada de ar fresco, afastando por instantes o ar bafiento e saturado. Mas rapidamente, este se consumia, retomando a rarefacção de uma atmosfera irrespirável.

Por tudo isso, tomara aquela decisão, firmada num pacto de silêncio.

Agora, mesmo quando perante alguém, que não conhecia, nem ao seu discurso pré-fabricado (o que deveria deixar à vontade suficiente e oportunidade para colocar a cassete no início), abstinha-se e não sentia a mínima vontade de o fazer. Furtava-se à conversa.

Pouco a pouco, ía-se fechando em si. Interiorizando e dialogando consigo.

Procurava poupar os demais da sua verborreia.

Simultaneamente, tendia a escapar-se da deles e autorizava-se a deixar de ouvir o que não lhe apetecia. A não ter de falar se não o queria fazer. A não conhecer, nem dar-se a conhecer se não o desejava.

Já nem a curiosidade conduzia a essa busca, porque deixava de a sentir. Era-lhe indiferente.

Igualmente indiferente se agora lhe achariam piada ou não. Que lhe acusassem a falta de simpatia ou de sociabilidade. Não queria saber.

Já não queria saber.

Calava-se.

8 comentários:

  1. Olha um blog que funciona e é actualizado e tudo. Já é uma vitória!!!! Tenho a dizer-te, só assim de corrida, que lamento que penses assim. Achava que no meio de muita, muita conversa da treta que a malta vai deitando fora, alguma tem signigicado. Torna-nos humanos, conforta- nos, faz-nos rir, zangar, enfim... Aproveito para dizer-te que não és sempre secante, só às vezes, como todos nós...mas acho que vale a pena dar-mo-nos esse desconto ums aos outros. Portanto, se e quando mudares de ideias continuo com conversa de chacha para dar e vender.
    Bjs e até uma próxima

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  2. Subscrevo o comentário anterior. Donde se prova que a Da Graça não é gaga...

    Fale.. Que o seu falar tem graça!!! ;)

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  3. Efectivamente alguma da "conversa da treta" pode ter significado.

    Talvez até haja significado no facto de não ter nenhum.

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  4. Já vi grandes depressões começarem assim, pelo silêncio e pela indiferença. Vai um xanax?

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  5. "Só se cala quem tem alguma coisa para dizer."

    Eduardo Sá, Psi, e poderia ser ele outra coisa? ehehehe :P

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  6. Mau feitio... Id... Depressão... Xanax... Citações de Psicólogos...

    Quem diria que do silêncio emergeria tão grande análise psicanalítica.

    Pode ser que um destes dias me debruce sobre este tema.

    Até lá, agradeço a panaceia, mas opto por pax.

    E talvez o Dr. Sá tenha razão. Posso até concordar com ele. Se considerarmos tão importante o dito como o não dito. Muito se pode dizer não dizendo nada, ou não dizer mais nada quando já se disse tudo.

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