Vidas Paralelas

Vidas paralelas
E eu não vivo em nenhuma delas.
Eu não vivo em nenhuma delas...

Ocultas atrás de janelas
E eu não vejo através delas.
Eu não vejo através delas...

Pintam-se novas telas
E eu não figuro nelas.
Eu não figuro nelas...

Sedutoras aguarelas
E eu não me diluo nelas.
Eu não me diluo nelas...

Iludentes escapadelas
E não faço parte delas.
Eu não faço parte delas...

Cá fora brilham estrelas
E eu não consigo vê-las.
Eu não consigo vê-las...

Dizem que são belas
E eu não confio nelas.
Eu não confio nelas...

Caminho nas vielas
E eu não gosto de percorrê-las.
Eu não gosto de percorrê-las...

O Meu Nome é Legião!

«- Qual é o teu nome?
- O meu nome é Legião, porque somos muitos.
»


"Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste",
A coberto de um extenso manto de solidão…
Chegaste e do manto me descobriste,
Trazendo contigo uma pergunta de tentação,
Exigindo resposta: sim ou não?
A resposta foi: Hesitação.

- Oh! Pandora, a que tentação maldita sucumbiste?
Que tampa é essa que seguras na mão?
Curiosidade que não contiveste e a caixa abriste.
Dela, num único gesto, libertaste maldição.
Dela saltaram sortilégios, demónios e assombração.
E o seu nome era Legião!

Com sorrisos escarninhos, exibindo fileiras de dentes afilados,
Confiantes, caminharam na minha direcção.
Em peito aberto encontraram conforto. Nele ficaram aninhados
E à caixa já não regressaram, não.
Que soltos, não quiseram retomar ao oblívio da prisão.
E o seu nome era Legião.

Legião porque muitos, aqueles que em mim se ocultaram.
E não ouso pronunciar os tantos nomes que são,
Ainda que sabendo de cor aqueles com que se apresentaram,
Pois que pronunciá-los seria a eles fazer invocação,
Desejando, na verdade, conjurá-los e livrar-me da medonha possessão.
E o seu nome é Legião

Se antes aquele nome desconhecia, porque meu nome não era,
Com aquela (des)graça me nomearam então.
Assim a caprichosa Fortuna nos seus desígnios o quisera,
Celebrando com pompa a circunstância de infernal união.
Tenho agora em mim esse nome maldito, nome de condenação.
- O meu nome é Legião.

Perguntaste porque se me anuviava o olhar
E porque se perdia ele em pensamentos de escuridão.
Num embargo da fala, não mais consegui expressar
Do que, num breve sorriso, cortada frase em explicação,
Tudo condensando em concisa afirmação:
- O meu nome é Legião.

Mas quantas vezes nos pode enganar um sorriso?
Quantas vezes o seu encanto consegue ser mestre de ilusão?
Mas o olhar, Ah! Esse é precioso. Esse é preciso!
Por isso, nos olhos devemos deter a toda a nossa atenção,
Que neles se reflecte o que está para lá da visão.
- O meu nome é Legião.

Desejei que anjos me elevassem para esferas celestiais,
Mas sobre mim paira asa negra de perdição.
Garras na minh’alma cravadas, dor e nada mais.
Quantos gritos mudos proferi desde então…
Desabafos perdidos, sem eco, quando dizia em vão:
- O meu nome é Legião.

Quantas vezes esse grito me aperta o peito,
Escoando-se por entre desabafos de escárnio e lamentação,
Procurando olvidar sentimentos que enjeito,
Pois que sobreviventes nas batalhas com a Razão,
Turvando, desafiando e controvertendo, afirmam com igual convicção.
- O meu nome é Legião.

Combate sem tréguas que no horizonte se avistem.
Alternando enlevada alegria e profunda consternação.
Memórias que no tempo vivem, porque nele persistem,
Porque no passar do tempo vêem e vão,
Vagueando ao sabor do vento que lhes muda a direcção.
- O meu nome é Legião.

Dormindo, procuro atravessar esta noite infinda.
No Albergue do Assombro, cubro-me em manto de solidão,
Que cansado estou das vozes e rosto da multidão.
Por adormecer fica o que foi acordado então.
Por exorcizar fica esta sombria possessão.
- O meu nome é Legião.

Pesados elos, fecham um sonho que se desejaria aberto.
Sonhos, entre pesadelos, esperanças dão.
São aquelas as certezas de um destino incerto.
Aconchega-se à réstia de alento, busca-se consolação,
Nega-se com veemência a resignação.
Recusa de viver na cegueira fatal da ilusão.
- O meu nome é Legião.