Deixei o meu barco num ancoradouro esquecido

Deixei o meu barco num ancoradouro esquecido.
Abandonei o mar e fui para terra,
Náufrago de sonhos e vontades perdidas,
Que essas afogaram-se entre vagas
E os seus gritos perderam-se no marulhar das ondas,
Rodopiaram nos remoinhos,
Voltas e reviravoltas que a vida dá,
Como quem vai ao fundo e volta à tona,
E volta a afundar para à tona já não voltar.
Que a alma tem peso, dizem.
Peso suficiente para nos arrastar.
Dá-me a mão
Puxa-me para o lado
Desvia-me da rota
Depois avançamos pouco a pouco
Nas ruas deste Mundo louco
Onde andei perdido até me achares
Invisível aos olhares
Dos que não se detêm na pressa
No ritmo das horas que não bastam
Para ver tudo o que há para fazer

Dá-me a mão
Aperta a minha na tua
Eleva-me da Terra até à Lua
Luz que no céu flutua
Candeeiro ao fundo da rua
Defronte a casa
De frente para o lugar
Que alegremente chamarei lar
E onde poderei encontrar-me
Reconciliar-me com a Vida
Remendar-me nas malhas do Destino
Emendar-me nas linhas que pisei

Dá-me a mão
Puxa-me para o lado oposto
Puxa-me para junto de ti
Dá-me o novo rumo
Coordenadas novas para um novo caminho
Um mapa vasto e aberto
Que mesmo sendo vago e incerto
Não terei de percorrer sozinho
E a solidão dos dias
Passará à sofreguidão dos momentos
Puxa-me para ti
Revela-me outras vias
Mostra-me outros percursos
Cria-me memórias novas

Escala Musical

Fuga em Si.
Dó de Si.

Dirige-te para Lá.

Fuga à Ré.

Colcheia,
Colcheia cheia,
Cheia de Si,
Cheia de Dó.

Vem para o Sol.

Vai para Lá.

Julga a Ré.
Fá-lo sem Dó!

Dó de Si.
Dó de Mi.
Minuto
Milagre
Mistério
Miséria
Mim.

Deste lado da barricada

Atravessa a estrada.
Vem para este lado da barricada.

Fazem-se apostas,
Nas facções opostas.

Protege-se o flanco,
Costas com costas,
Que nesta batalha está tudo em branco.

Tudo vale nada,
Mas um pequeno nada é tudo o que resta,
É tudo aquilo que vale a pena.

Vem! Junta-te a mim!
Luta com frenesim
Aqui, lado a lado, na fileira cerrada,
Neste lado da estrada,
Atrás da barricada.

E depois?...

Depois, podem vir com canhões,
Foguetes e morteiros,
Metralha de tiros certeiros,
Bombas lançadas de aviões.

Venham, com o que tiverem,
Dêem o melhor que puderem!

Avance a baioneta afiada,
Lance-se pelo ar a granada,
Que nada nos atinge. Nada!
Enquanto nos tivermos um ao outro,
Deste lado da barricada.

E quando nada mais restar,
Além de escombros entre fumo,
(Memorial do que ali se passou),
Quando aves de mau agouro pairarem no céu,
Verão que alguém se ergueu.
Verão que és tu e eu,
Juntos na Alvorada,
Saindo detrás da barricada,
Atravessando a estrada,
Lado a lado,
De mão dada.