Carta

Querida Madrinha de Guerra,

Espero que estas linhas a encontrem de boa saúde.

Por aqui, continuo a minha Comissão.

Sinto-me tão cansado, Madrinha. Sinto que cedo ante a exaustão causada por este permanente estado de vigilância a que me obrigo.

Por vezes, já nem sei se o inimigo é real, ou se é o medo que mo faz ver nos momentos mais incríveis. Mesmo fechando os olhos, vejo-o. Sinto a sua presença em toda a parte. Estou tão cansado e não consigo dormir. Aliás, temo adormecer. Temo que se o fizer não volte a acordar ou, acordando, ser demasiado tarde para escapar. Receio não conseguir assegurar o meu posto, deixando-o cair em mãos inimigas.

Resisto a morteiros e obuses. Tenho a metralha gravada nos ouvidos...

(Está um calor sufocante. Custa-me respirar.)
Este constante estado de ansiedade é, para mim, a angustiante realidade dos dias que passo neste campo de batalha, onde me sinto só. Só e demasiado fraco, nos limites da resistência que não sabia ter, nem que as minhas forças abarcavam. E todos os dias são um teste constante. Cada saída pelas picadas é um percurso eterno. O coração palpita de tal modo que quase o consigo ouvir.

Alegremente me apartava desta agonia e a dispensava.

Sempre fui uma pessoa de bem, Madrinha. Mas aqui, aqui neste Inferno, várias vezes dou comigo transido pela fúria e pela raiva. Há momentos em que não me reconheço. Ainda ontem, quando fazia a barba, num momento em que a manhã estava calma, olhei o pequeno espelho de bolso, apoiado num ramo e não reconheci o reflexo que ele me devolvia.

Mas falemos de coisas mais agradáveis.

Querida Madrinha, como corre a vida na Metrópole?

Recordo as tardes no jardim da praça. Suponho que o jardim esteja lindo e florido, como sempre costumava estar nesta altura do ano. O que eu dava por um copo de capilé fresco, enquanto lia o jornal na esplanada.

Aqui também há flores e árvores. Mas são diferentes. Mais assustadoras, ainda que igualmente belas e viçosas. É a selva. Gostava, um dia, trazê-la cá Madrinha. Mas numa altura em que a pudesse ver com outros olhos.

Agora me despeço. Obrigado por me ler nestas linhas e acolher os meus lamentos no seu regaço.

Ficarei a aguardar novas. Logo que possa, lhe escreverei, Deus me dê forças para o fazer.

Cumprimentos

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