Algures no Tempo

Um momento perdido algures no tempo.

Aqueles momentos que não conseguimos situar. Apenas sabemos a sua existência, porque os vivemos, guardando deles apenas uma ténue memória.

Apartei-me dela num momento assim. Um momento que não recordo.

Talvez a tenha arrumado, distraidamente, numa qualquer caixa de brinquedos. Empacotada com os sonhos que coloriam os meus dias de infância. Recordo-a nesses tempos, quando o sol de Verão brilhava todo o ano, iluminando os dias.

Brincadeiras decalcadas da imaginação de quem descobre o Mundo ao seu redor, olhando-o com a inocente transparência da simplicidade.

Talvez a tenha arrumado mais tarde, numa gaveta, entre cartas e esperanças, bilhetes de concertos e de viagens realizadas ou por realizar. Quinquilharia diversa. Tesouros que apenas têm valor para quem conhece o seu significado, nada valendo para os demais que não vêem além daquilo que, na realidade, não deixa de ser.

Também a recordo nesses tempos. Ainda que, por vezes, me fosse fugidia ou fosse apenas eu que lhe fugia. Como se estivéssemos num jogo de gato e rato. Mas acabávamos por nos entender e, mais cedo ou mais tarde, um encontrava o outro. Em cada reencontro abraçava-a com os olhos brilhantes, deixavando-me conduzir pela sua mão.

Idade do querer e do não querer, ou não saber o que se quer. Do ser e do não ser, nem saber sequer o que se quer ser. Quando tudo se questiona e tudo se põe em causa. Quando a vida é um turbilhão de invernos, seguido pela ligeireza primaveril que nos encanta as manhãs e se prolonga até à noite.

Por achar que a teria sempre comigo, que acabaria sempre por me encontrar quando dela me escondesse ou que a encontraria eu quando a procurasse, não dei demasiada importância aos momentos em que não a sentia.

Ilusória sensação.

Houve um dia que estranhei o seu sumiço. O facto de não me ter vindo descobrir e a dificuldade em encontrá-la. Tinha-a perdido? Onde? Terei notado demasiado tarde? Talvez.

Abri caixas e sacos. Remexi velhos baús. Vasculhei papéis… nada! Abri gavetas e reabri envelopes cobertos de pó… nada!

Desde então que procuro a sua fórmula (como se houvesse fórmula!) ou o mapa que me há-de conduzir aos seu esconderijo. Grito aos sete ventos, chamando-a e assinalando a minha presença a cada chamado, para que também ela possa vir até mim, se for caso disso (espero que assim seja).

Hoje, tal como ontem, interrogo-me se não terei sido eu que lhe fugi. Se não lhe terei fechado a porta, deixando-a do lado de lá.

Escrito por: Sphynx

2 comentários:

  1. É caso para dizer... A curiosidade matou o(a) gato(a).

    Li avidamente até ao fim. Na esperança de desvendar a "coisa". O que é? O que é?

    Muito bom.

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  2. Então, porque não lhe abres a porta?...

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