Um conto nhonhinhas

Olhando-a, adivinha-se uma pessoa em harmonia com a Vida. Alguém que saúda os dias como se fossem o primeiro e os abraça intensamente como se fossem o último.
Não é difícil imaginá-la a acordar pela manhã, capturando a luz do Sol e fazendo desta a centelha que lhe fica a brilhar nos olhos marotos, irradiando-a no sorriso aberto que se lhe rasga no rosto.
Quando perto dela é difícil, no mínimo, não ser tocado pela alegria contagiante, numa manifesta e constante boa disposição de espírito onde parece não haver lugar para nuvens. É um arredar da seriedade cinzenta e monocórdica do quotidiano.
Stress? Sim, venha ele! Transformemo-lo numa azáfama em tons de laranja, num turbilhão de emoção, que ainda dará azo a uma gargalha ou outra, provocada pelos lapsos induzidos pela pressão.
A Vida é, para ela, uma tela de mil e uma cores e com outras tantas tonalidades. Por isso, para quê olhar apenas as mais escuras e sombrias, se as outras também lá estão? Para quê recorrer ou centrar a atenção em apenas uma parte da vasta paleta? Misture-se tudo!
E assim vê ela o Mundo. E canta! E canta mal e desafinada, mas canta! E que lhe importa isso? Sem vergonha, sem receio do que possa soar aos ouvidos dos demais, exprime a sua força de viver numa cacofonia desajeitada, que afinal é uma melodia mais bela e viva do que muitos poderiam conseguir dentro do tom.
Com toda esta energia e fúria pela vida chama, por pirraça, a todos os que não a têm ou demonstram uma atitude mais lamechas, de “nhonhinhas”, procurando evidenciar os seus semblantes cabisbaixos, que se deixam descolorir em tons pálidos e apagados.
Os “nhonhinhas” são, portanto, o oposto de si, longe daquela postura enérgica, feliz e bem disposta; descontraída e radiante. O inverso da sua aparente imagem. E digo aparente porque se tivermos o cuidado de olhar bem, sem negar nada do que foi dito, apercebemo-nos que, a par da explosão de cor com que pinta os dias e tinge a Vida, não é de todo alheia às cores frias e cinzentas. Recusando-as, conhece a sua existência.
Há os que trazem consigo o Sol e aqueles que apenas vislumbram o céu nublado. Os primeiros, apesar de saberem a existência do Inverno, centram-se no calor e na luz do Verão, procurando a todo o custo evitar o toque da chuva e a sombra. Os segundos, muitas vezes esquecem-se que acima das nuvens brilha o Astro Radioso.
Mas apesar de evitar o toque da chuva, não deixam de a ver e nem sempre lhe conseguem fugir, passar incólumes aos dias de tempestade. Sentem os seus efeitos com maior intensidade. Mas há que manter a máscara colorida e o sorriso desenhado.
Portanto, há uma recusa. Assumir é aceitar e render-se a algo que enfraquece e que acentua uma existência monocromática.
Ela é, no fundo, uma “nhonhinhas” não assumida. Mas isso é um segredo nosso.
E aos que convivem com ela, resta invejá-la e agradecer a partilha do céu azul, das flores, do arco-íris e dos aromas quentes do Verão.

1 comentário:

  1. OLÉE!!!

    Ao narrador e à narrada. Fiquei com lágrimas nos olhos quando li este conto pela primeira vez. De emoção mas também de riso (porque ela canta mesmo... uiui).

    Estava presente nesse grande momento em que o conceito de Nhonhinhas surgiu. Uma agenda. Três sadinas, cada uma no seu estilo. A pirraça a acontecer espontaneamente... Como sempre acontece com esta personagem que já conheço há muito...

    Uma gaja com M grande, com mil e um apelidos. Metade inventados por ela. Com arte para inventar mais uns quantos, com que nos vai baptizando. Alcunhas que não passam no tempo... Simplesmente multiplicam-se... Como o sentimento que ela põe na relação com os Outros...

    A vida ao pé dela é de facto um Carnaval Brasileiro! E não me estico mais. Fico por aqui. Está tudo ali. No conto. Um desafio lançado à única pessoa que conheço e que seria capaz de o levar a bom porto!

    Um Olé com Duende a ambos os dois!!!!

    Nhonhinhas Olé

    É verdade! Quase esquecia. A receita preferida de bacalhau da Nhonhinhas Não Assumida é...

    Lasanha de Bacalhau ou Bacalhau à Brás! ;)

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