No primeiro dia, ela chegou sem que ele tivesse percebido o seu aproximar. Do alto da sua torre de vigia, espantado com aquela aparição, perguntou-lhe: – Quem és tu?! – Ela ergueu o olhar e respondeu com uma voz rouca: – Eu? Uma peregrina! E sobre o meu nome tenho uma flor. E tu, quem és? – Desconfiado, fechou os dedos no punho da espada e apertou o escudo contra a armadura que lhe protegia o peito. – Chamam-me guerreiro glorioso e sobre o meu nome tenho uma tocha! – Respondeu, fitando-a.
– Desce da tua muralha – disse-lhe a desconhecida. Mas ele declinou o convite, permanecendo no seu posto, curioso mas firme. E ficou a vê-la dançar, rodopiando ao vento, acompanhada por um pequeno duende. E dançando, embrenhou-se na floresta de Sombras e de Sonhos, no meio da qual se erguia Core, o castelo que ele guardava diligentemente. Ela tinha ido, mas a sua voz rouca ainda ecoava na cabeça do Sentinela.
No segundo dia, ela regressou consigo trazendo a Aurora. Vinha pelo mesmo caminho do dia anterior e ele viu-a chegar.
– Desce da tua muralha – voltou ela a convidar. Ele anuiu ao pedido e, a medo, entreabriu a porta do castelo.
Via-lhe os olhos pela primeira vez. Castanhos. Bonitos. Um olhar profundo que lhe tragou o seu, para nunca mais o devolver. Mesmerizado, ouviu-a contar uma história que falava de um príncipe, de uma Rosa e de campos de trigo
– Sai. Vem cá para fora! – Pediu-lhe. Mas ele não o fez. E ficou a vê-la afastar-se, fixo nos seus cabelos longos e escuros, como escuro era o Ocaso e longa a noite que lhe sucedia.
Ao terceiro dia, ele aguardava-a à porta. Ela chegou com um sorriso, trazendo consigo um tabuleiro de xadrez. Sentou-se e disse: – Vem cá para fora. Vem jogar uma partida comigo!
Olhando para um lado e para o outro, avançou com passos receosos e sentou-se junto dela.
– Quem és tu, Peregrina, enviada por Deus? – Perguntou incrédulo.
– As peças brancas são tuas! – Respondeu ela com um piscar de olho e iniciaram o jogo – Xeque! – Disse ela, decorrido algum tempo.
Ele levantou-se num sobressalto. Não tinha conseguido antecipar aquela jogada. Ela levantou-se calmamente, levantou o braço, dirigindo-o a sua mão na direcção do peito dele e tocou-lhe na armadura. E não evitou aquele gesto. Desarmado, ficou a vê-la passear os dedos por marcas antigas, como se lhe estivesse a ler sina e a interpretar-lhes cada uma daquelas linhas da Vida. Foi invadido por uma torrente de sensações que não conseguia, nem queria controlar. Conduziu-a ao interior do castelo, até uma sala onde se lia no umbral: Anima, e aí, permitiu que ela lhe retirasse a couraça.
– Vem comigo – desafiou-o uma vez mais e uma vez mais ele recusou. Ele era o Sentinela; o Guardião daquela fortaleza que o protegia e que dependia dele para ser protegida.
Ela voltou-se e partiu, levando consigo mágoa no coração. Tinha em si o fogo da Paixão. Ele, preso às correntes da Razão, ficou na sala, guardando-a consigo, sentindo-se perdido e só. “Mate!” – murmurou em voz baixa.
Na manhã seguinte, ele aguardou-a fora da porta do castelo, mas ela não apareceu. E assim sucedeu nas longas horas daquele dia. Caiu a noite e com ela findava-se a esperança de a voltar a ver. O céu era um tecto plúmbeo que se abatia sobre si. O vento agitava com violência a copa das árvores e a chuva caía impiedosa, cobrindo o chão com um rio de lágrimas. Subitamente, num impulso louco, cortou as correntes que o prendiam. Não conseguia racionalizar o irracional. Não se racionalizam emoções. O Sentinela, já não o era. Era agora um peregrino a caminho por entre a tempestade, movido pela fé, em demanda de um Amor que já não conseguia negar.
Encontrou-a. Estava, afinal tão perto e, ainda assim, tão longe. (– Espero não ter chegado tarde demais – pensou).
– Cheguei demasiado tarde? – Perguntou-lhe, por fim, com voz trémula. E aquela pergunta ficou suspensa no ar, presa entre o olhar de ambos, pairando no espaço que os separava de um beijo.
E naquele beijo perceberam que o caminho de ambos começava naquele instante.
Escrito por: James Starfield
Xeque-Mate!
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