O Maior Espectáculo do Mundo

Sentou-se frente ao espelho e olhou o reflexo triste que este lhe devolvia. O espectáculo estava prestes a começar e aguardavam a sua actuação. Era suposto fazê-los sorrir. Era esse o seu papel. Era isso que esperavam de si, indiferentes ao seu estado de alma.
Pegou num boião e abriu-o, tirando do seu interior uma porção de creme branco que começou a espalhar pelo rosto, tornando-o ainda mais lívido. À medida que o espalhava, ía ocultando os sulcos que lhe desciam em direcção ao queixo. Conteve um soluço.
A pouco e pouco, daquela máscara neutra, apenas emergiam dois olhos raiados de sangue… tristes. De seguida, pegou num lápis e contornou-os.
Abaixo do olho direito, pintou um triângulo azul, e acima de ambos, desenhou umas sobrancelhas arqueadas, tão delicada e firmemente quanto a sua mão trémula lhe permitia.
Novo contorno. Desta vez em torno da boca, que depois preencheu de cor vermelha, criando a ilusão de um sorriso rasgado, tão diferente da expressão que os seus lábios caídos apresentavam. O espelho ia-lhe devolvendo uma imagem grotesca que ganhava forma. Uma imagem de alegria que alegria não sentia por debaixo daquela cobertura colorida.
E aquela imagem contrastante agudizou o sofrimento que se esforçou por amordaçar dentro do peito. O espectáculo estava prestes a começar. Era suposto fazê-los sorrir. Era esse o seu papel, a personificação da comédia.
Um último retoque. Uma bola vermelha fixada sobre o nariz completava a máscara.
Levantou-se da cadeira. Inspirou um último folêgo e saiu porta fora em direcção à arena. Ali, os espectadores aguardavam mais uma actuação sua, naquele espectáculo da Vida. Forçou um sorriso, mostrando uma fileira de dentes que sobressaía por entre a pintura rubra, tropeçou, fez uma pirueta e caiu. Levantou-se e fez uma vénia, por entre gargalhadas e aplausos.

1 comentário:

  1. Este já comentei. Não vou repetir. :P

    Continuo a não gostar de palhaços. Continuo a gostar da forma como escreves.

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