
Ontem perguntaram-me se queria saber quando ía morrer.
Uma pergunta que já me fiz inúmeras vezes.
Uma resposta que sempre se me foi difícil de encontrar.
Tento colocar-me nesse cenário, imaginando o modo como alteraria a minha percepção da Vida e daquela que me restasse. Faria uma série de coisas que sempre quis fazer ou simplesmente deprimiria por saber que escasso era o tempo para o fazer?
Sei que passaria em revista toda a minha vida. Concluí, igualmente, que passaria grande parte dos meus últimos dias a escrever cartas. Sim, cartas! Cartas endereçadas a uma série de pessoas que considero significativas na minha vida, que não poderia ignorar ou esquecer, nem permitir que se considerassem ignoradas e esquecidas. Pessoas a quem devo ou sinto que devo essas últimas palavras, esse último gesto.
Pediria desculpa pelos meus erros e omissões. Por ter ferido e ofendido.
Dirigiria profundos agradecimentos.
Quantas pessoas nos são queridas e especiais sem que lho digamos? E não havendo um dia que não pensemos nelas e lhes desejemos o melhor, de que adianta se não lho dizemos, se não o demonstramos, assumindo que elas o sabem. Mas, e se não souberem, porque não o sentem?
Por isso, carta a carta, linha a linha, palavra a palavra, procuraria a redenção das minhas faltas.
Contudo, nova questão: Porque simplesmente não o fazemos? Porquê esperar pelos “últimos dias”? Porque nos preocupa apenas a redenção na morte? Quando, provavelmente, é tarde demais?
Pessoas existem a quem o digo e manifesto, que o sabem sem que tenha de lhes dirigir uma última mensagem. E esse facto deixa-me um pouco mais aliviado e feliz por saber que tento, pelo menos, corrigir essa falha em mim.
Outras existirão a quem não o faço e que, possivelmente, nunca o farei. Poderei nunca vir a ter essa oportunidade.
Mas, mais do que saber quando se irá morrer, interrogo-me acerca da última imagem que se leva da vida. Qual é a última coisa que veremos antes de fechar os olhos pela última vez? Qual o último som? Teremos tempo para dizer uma última palavra? Qual?
Ontem fiquei a saber que o cérebro leva cerca de cinco minutos a morrer. E nesses eternos cinco minutos, qual será a nossa percepção? O que sentiremos?
Ontem, recordei uma frase índia: “Hoje é um belo dia para morrer”.
Talvez isso fosse o melhor. Poder escolher o momento. Um momento em que nos sentíssemos invadidos por uma paz de espírito tão grande, contemplando algo que se nos assemelhasse tão belo e que adormecêssemos calmamente a olhar e dizendo: estou tão feliz que morria neste momento.
E porquê cartas? Porque não dizer, olhos nos olhos?
ResponderEliminarPorquê esta coisa da palavra escrita? Terá mais valor? É mais durável?
E ocorrem-me os ciganos (sempre eles!)... Onde a palavra escrita nada vale. Apenas a falada.
Cartas, porque poderia não existir tempo, oportunidade ou possibilidade de olhar nos olhos os olhos que gostaríamos de olhar.
ResponderEliminarCartas, porque nem todos os olhos, por mais significativos que os consideremos e lhe queiramos dizer algo, necessitamos de ver.
Cartas, porque por vezes é mais fácil de dizer o que se quer, sem que o olhar se nos torne baço e nos embargue as palavras.
Agora, se a palavra escrita tem mais valor ou se é mais durável?
Bom, no que respeita ao valor, mais do que o formato, considero que o valor advém da sinceridade com que é dita ou escrita.
Palavra falada, saída da boca ou escrita, saída da pena, terão o valor que têm: nenhum.
Quanto ao durável, ambas serão eternas.
Não é, necessariamente, o suporte em que a palavra é passada que a imortaliza, mas a recordação que fica gravada em quem a lê ou ouve.